- Eu quero ficar sozinha! – gritou ela, pouco antes de bater a porta da cozinha e atropelar os degraus da escada sem direção alguma.
O motivo tinha sido mais uma futilidadezinha qualquer, que ganhou mais importância do que merecia. Uma frase mal pontuada, um silêncio inoportuno e uma palavra dita no momento errado. Às vezes, nós não escolhemos ficar chateado com alguma situação, isso é algo espontâneo. Naquele momento, ela precisava de um tempo só dela, para respirar um ar diferente e caminhar por praças floridas permitindo o pensamento voar longe. Ela queria chorar sozinha, chorar as lágrimas que tinham direito de ser apenas dela e ninguém mais.
Ele ficou estático no meio da cozinha, entre o balcão e a mesa de madeira. Quando recobrou a consciência, em alto e bom tom e esmurrou a porta do armário. Reações diferentes, mas nem por isso a dor era diferente. Ele caminhou em círculos tentando reformular todo o diálogo e encontrar a palavra-chave que desencadeou a discussão. Nada feito. Depois de observar o telefone por vinte minutos, decidindo se deveria ligar ou não, ele optou por deixá-la sozinha, como ela queria. Talvez mais tarde ele se arrependesse por sempre cumprir religiosamente a mesma rotina, sem surpresas ou contradições, que fazia cada declaração balbuciada nos últimos dias soar como perfeito clichê.
Ela escolheu um banco no centro da praça, de onde conseguia enxergar o pôr-do-sol e as crianças brincando nos balanços. Sentou e ficou durante um bom tempo remoendo o passado que nunca havia abandonado. Quantas vezes consentiu com afirmações que não lhe agradavam nem um pouco, apenas por medo de desentendimentos como aquele. Incontáveis vezes a sua própria vontade foi estraçalhada por conveniências, até que todas as expressões e desabafos contidos, que só foram compartilhados com o espelho, começaram a sufocar. Ela foi resgatada de seu íntimo e profundo momento por uma bola, dessas de plástico, que bateu em seu pé esquerdo. Seus olhos voltaram toda a atenção para um vestidinho rosa e uns fiapos de cabelo loiro que se emolduravam em um rostinho angelical.
Ele teve vontade de chorar, no fundo ele sabia que sim. Mas aí ele lembrou que chorar não é coisa de macho, homem que é homem não fica choramingando. Acabou se convencendo com seu próprio machismo. Ele se esparramou no sofá da sala e ficou observando a porta da cozinha. Era a primeira briga, ele a amava e não sabia como reagir. Começou a lembrar dos tempos de solteiro em que não existiam discussões e frases mal interpretadas. Lembrou também que não existia amor, carinho, respeito mútuo e reciprocidade. Tudo parecia mais simples: festa com os amigos, cerveja, futebol, uma mulher por noite e nenhuma satisfação no dia seguinte. Namoro pode até ser mais complexo, mas não existiu paixão de uma noite que trouxe a satisfação pessoal e a felicidade que ele só encontrou naqueles olhos esverdeados da moreninha que era só dele.
Ela decidiu voltar para casa. Ele ficou parado na janela.
Assim que ouviu ela se aproximar, ele abriu a porta. Ela subiu os degraus olhando para o chão, como se não soubesse o que dizer. Nenhum dos dois sabia, na verdade. Tanto que não foi preciso palavra alguma. Ela entrou, ele fechou a porta. Os dois se olharam por alguns segundos e por aquele olhar eles se disseram tudo. Ele a puxou com força e a beijou como se aquele fosse o último beijo da vida deles. Ela retribuiu.
B.F.♥
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